terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Música infantil brasileira avança com som de qualidade.
Durante muitos anos, e para mais de uma geração, música infantil no Brasil foi sinônimo de apresentadora de TV loira. Na década de 1980, com a ascensão de Xuxa, Angélica e Eliana, a produção musical para crianças se tornou comercial, pasteurizada e, muitas vezes, sensualizada. Uma reação começou a ganhar forma na década seguinte e chega agora a um momento de consolidação. Com a ajuda de bons músicos – incluindo nomes consagrados da MPB, do pop e do rock – dedicados a oferecer aos pequenos produções feitas com cuidado e respeito, o segmento chama a atenção pela alta qualidade e pelos números atraentes. Só o Palavra Cantada, criado em 1994 na cidade de São Paulo, já vendeu mais de 4 milhões de cópias de CDs e DVDs. O número mostra o potencial desse mercado, que avança em meio à crise e ainda tem espaço para crescer.
A nova geração é puxada justamente pelo Palavra Cantada, duo formado por Paulo Tatit, ex-Grupo Rumo, e Sandra Peres, que tem formação em música erudita. Com canções bem trabalhadas e uma produção variada que abraça todas as faixas etárias, os dois abriram caminho para a retomada da música infantil de qualidade. Hoje, dividem espaço com Hélio Ziskind, compositor das músicas de programas infantis da TV Cultura como Cocoricó, o grupo Pequeno Cidadão, formado por Edgard Scandurra (do Ira!), Arnaldo Antunes, Taciana Barros (ex-Gang 90 e as Absurdettes) e a dupla pernambucana Fadas Magrinhas, que acaba de lançar seu primeiro CD. Artistas como Adriana Calcanhotto, Chico César e Pato Fu também já fizeram suas incursões por esse universo, contribuindo para enriquecer o repertório. Zeca Baleiro é mais um que deve entrar na onda ainda este ano.
Para Sergio Saslavsky, diretor da gravadora MCD, especializada em produção infantil e “casa” do Palavra Cantada, de Hélio Zinskind e da série instrumental para bebês MPBaby, esse mercado tem se mostrado mais resistente à atual crise da indústria fonográfica. “As vendas de CDs e DVDs nas lojas tiveram queda, mas uma queda menor que a da música adolescente ou adulta.” Já a comercialização de músicas no formato digital e de produtos como aplicativos e ringtones, segundo Saslavsky, que não entrega números, cresce “de maneira significativa”.
Disquinho e Arca de Noé – Até os anos 1980, a produção musical voltada para crianças no Brasil era incipiente. O único trabalho bem elaborado para esse público, até então, havia sido a coleção Disquinho, série de histórias infantis como Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas adaptadas por João de Barro, co-autor de Carinhoso, e Radamés Gnatalli, parceiro de Pixinguinha e Tom Jobim. Lançadas a partir da década de 1960, as histórias da Disquinho venderam mais de 5 milhões de vinis coloridos.
Depois, em 1977, Chico Buarque lançou o álbum Os Saltimbancos, uma adaptação da obra do argentino naturalizado italiano Luis Enríquez Bacalov, com interpretações de Nara Leão e Miúcha, entre outros. Mas o verdadeiro marco da música infantil nacional viria apenas três anos mais tarde. Escrito por Vinicius de Moraes e Toquinho, o álbum A Arca de Nóe reuniu letras do poetinha sobre animais, revestidas por músicas atraentes e as vozes de intérpretes variados, como Elis Regina, Frenéticas, Alceu Valença e Marina Lima. O lançamento do disco foi acompanhado de um especial na TV Globo e ele vendeu mais de 250.000 cópias, segundo dados do Instituto Itaú Cultural. Um segundo volume saiu após um, sem o mesmo sucesso.
Criança quer qualidade
Segundo músicos e especialistas, muitos erros são cometidos na composição e na gravação para crianças. Em busca de simplicidade e da reprodução do universo infantil, muitos perdem de vista a necessidade de educar e instigar o pequeno ouvinte, que está em idade de aprender e expandir seus horizontes sonoros e, para isso, precisa de música de qualidade.
Para Teca Alencar de Brito, especialista em educação musical e autora do livro Música na Educação Infantil – Propostas para a Formação Integral da Criança (editora Peirópolis), a composição infantil deve ter o mesmo cuidado com arranjos, timbres e instrumentação que qualquer uma feita para adultos. Pode parecer uma afirmação óbvia, mas é uma cartilha que, mesmo que alguns artistas já coloquem em prática, parte do mercado ainda precisa levar a sério.
“É muito comum que músicas para criança tenham um instrumental pobre”, diz Teca. “As crianças estão abertas a sonoridades, elas podem e devem escutar vários gêneros e estilos para ampliar o seu universo.”
Outro equívoco comum, segundo Teca, é o uso de estereótipos e da imitação da fala da criança, coisas que, segundo ela, não contribuem para o seu desenvolvimento. “Tem muito ‘nhem-nhem-nhem’, ‘inha-inha’, letras pobres, rimas óbvias. A criança não precisa disso, ela precisa ser estimulada na escuta e isso é feito com letras poéticas, qualidade nos timbres, boas gravações e boas vozes.”
Fica a dica.
Nos anos seguintes, a TV Globo preparou outros especiais infantis, também lançados em disco, como Pirlimpimpim (1982) e Plunct Plact Zuuum (1983), que reuniram artistas como Raul Seixas, Jorge Ben Jor, Fábio Jr. e Maria Bethânia. Mas logo vieram as loiras com seus arranjos pobres e letras simplórias. Em 1988, Ilariê, música carnavalesca de Cid Guerreiro gravada por Xuxa se tornou a mais executada em todo o país, transformando versos como “pula pula, bole bole / rebolando sem parar” em chiclete melódico.
Nos dias atuais, a boa produção para crianças passa longe de uma rainha dos baixinhos. Ela é feita por músicos tarimbados, com experiência em estúdio e em trato com um público adulto mais exigente, e que levam essa bagagem para os novos experimentos. Há os que desenvolvem trabalhos pontuais – como o da banda mineira Pato Fu, que lançou apenas um álbum infantil (Música de Brinquedo) em 2010 – e os que já construíram uma longa carreira no mercado – como Hélio Ziskind, que se dedica aos programas infantis da TV Cultura desde a década de 1980 e influenciou gerações de ouvintes. Adriana Calcanhotto fica no meio termo, tendo gravado três álbuns ao longo de oito anos.
Os temas também são mais amplos. As Fadas Magrinhas, que já tocaram nas bandas de Naná Vasconcelos e Alceu Valença, buscam a cultura brasileira e o folclore, enquanto o grupo paulistano Pequeno Cidadão fala mais às crianças urbanas, seus esportes e brincadeiras.
Boca a boca – Uma dificuldade comum a todos os projetos, no entanto, é a falta de divulgação. Sem acesso às rádios e com alcance restrito nas TVs, eles dependem, quase sempre, do boca a boca entre pais, de shows eventuais e, agora, das redes sociais.
O poder da internet para chegar a esse público, no entanto, não deve ser menosprezado. É ele que está por trás do maior fenômeno musical infantil brasileiro, uma galinha azul que está sempre sorrindo. A Galinha Pintadinha, um negócio que engloba segmentos como brinquedos, peças de teatro, aplicativos, livros e, em breve, um longa metragem, começou com um vídeo postado no YouTube que se tornou sucesso espontâneo. Hoje são mais de 500 produtos licenciados que ultrapassaram os 500 milhões em vendas só em 2013.
Bons arranjos e letras instigantes são a base do trabalho das Fadas Magrinhas. A dupla foi formada há quatro anos, em Recife, pelas gêmeas Aninha e Lulu Araújo. Unindo a experiência adquirida ao tocar em bandas de artistas como Naná Vasconcelos e Alceu Valença e as dificuldades de Lulu em seu trabalho de professora de música para crianças, elas decidiram produzir um material que não subestimasse a inteligência dos pequenos ouvintes. O disco de estreia da dupla, chamado apenas de Fadas Magrinhas, traz forró, frevo, baladas e canções pop, tudo feito com guitarra, violão, acordeom, instrumentos de percussão variados e metais, além de sons produzidos com brinquedos e panelas. Há composições de Chico César e Marcelo Jeneci e participação de Naná Vasconcelos, além de letras elaboradas. “Não precisamos limitar a criança, temos que jogar para elas. Umas vão gostar, outras vão pensar sobre aquilo, mas precisamos experimentar”, afirma Lulu.
A base do sucesso da penosa, criação de Juliano Prado e Marcos Luporini, são canções tradicionais de domínio público, como Pintinho Amarelinho, O Sapo Não Lava o Pé e Marcha Soldado, retrabalhadas e associadas a animações simples de animais. Com voz de Vera Fuzaro e produção do próprio Luporini, foram lançados, até hoje, três CDs, três DVDs e 45 clipes.
O resgate de cantigas que já foram testadas e aprovadas, geração após geração, e que pertencem à memória afetiva dos pais é o maior mérito da Galinha. “O cancioneiro popular brasileiro foi nossa primeira inspiração. A riqueza das cantigas infantis nos encantavam”, diz Luporini. Musicalmente, no entanto, a galinha difere dos outros projetos infantis, não oferecendo muita variedade de estilo ou instrumentos. A fórmula, está provado, funciona. Mas não deixa de ser apenas isso: uma fórmula comercial.
Para Teca Alencar de Brito, especialista em educação musical, é obrigação dos pais buscar e oferecer aos filhos boa música desde cedo. “É o importante que a criança possa desenvolver a relação com a música para desenvolver a sensibilidade, a expressão e para criar uma escuta qualitativa.” Para ela, criança que só ouve aquilo que os pais escolhem para si entra cedo demais no universo adulto. “A criança gosta de música, de dançar. Se ela demonstra gostar do que é inadequado é porque é essa a música que estão dando para ela. Os adultos no entorno é que deveriam cuidar para que ela tivesse acesso a coisas melhores para dançar e brincar.”
FONTE: VEJA .COM
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