sexta-feira, 3 de julho de 2015

Zeca Camargo acertou. Eventuais ‘punições’ evidenciarão a pobreza cultural

O século XXI se tornou a era das buzinas assassinas no Brasil. Nas ruas e estradas brasileiras, buzinar se tornou um ato perigoso, pois passou a ser considerada uma ofensa capaz de provocar a fúria dos “alvos''. Buzinar pode causar mortes, inclusive. Nesta categoria, não tão letal, mas igualmente perigosa, entra a questão da emissão de opinião, qualquer uma. Opinar e ter uma posição podem acabar com amizades, virar polêmica nacional (ainda que inútil) e até mesmo, nas situações mais estapafúrdias, gerar processos judiciais – por mais que a Justiça esteja atolada por questões inúteis e sem importância. Podemos estender o raciocínio à franqueza e à verdade. Ser franco nos dias de hoje também é perigoso, já que a verdade incomoda muita, muita, muita, muita gente. Falar a verdade pode causar transtornos variados – divórcios, separações, processos judiciais, agressões verbais e físicas, perda do emprego, perda de amizades. A hipocrisia e a falsidade são os comportamentos ideais no século XXI para “se dar bem'' e ter uma “vida tranquila''. No meio artístico o melindre é gigantesco, assim como no esporte. Estrelas de todos os calibres se acham acima de qualquer crítica, creem ser blindados contra tudo e todos. Não aceitam nenhum tipo de opinião contrária, seja pessoal ou profissional. A vítima da vez do mais recente (nem tão recente assim) esporte nacional é o apresentador Zeca Camargo, da TV Globo, jornalista de formação, com passagens pela Folha de S. Paulo e MTV, entre outras empresas. Especializado na área de cultura, tem bom conhecimento musical, ainda que costume “hypar'' porcarias musicais e modinhas passageiras na tentativa de posar de “antenado'' e “atualizado''. Entretanto, ele acertou em cheio quando fez uma crônica no canal pago de TV GloboNews sobre a banalização das celebridades musicais e a precarização do ambiente cultural brasileiro. O motivo foi a absurda comoção desproporcional por conta da morte de um cantor sertanejo que beirava a obscuridade em boa parte do país, Cristiano Araújo, ocorrida há duas semanas. Criou-se uma celeuma a respeito da fama do cantor, que aparentemente era desconhecido nas grandes cidades do Sul e Sudeste, e aparentemente idolatrado no Centro-Oeste e no Nordeste, além do interior de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Zeca Camargo foi contendente: “Como fomos capazes de nos seduzir emocionalmente por uma figura relativamente desconhecida? A resposta está nos livros de colorir. Esse fenômeno editorial indica a pobreza da atual alma cultural brasileira''. Dependendo do ponto de vista, ou da interpretação, Camargo pode ter atirado no que viu e acertado no que não viu. Seja como for, ele foi ao centro da questão: a baixa qualidade da produção cultural brasileira da atualidade, que é mais visível na música chamada pop. Sertanejo, pagode, axé, funk carioca, música do Pará… nada se salva. E a falência cultural transformou o sertanejo, com a predominância da vertente “universitária'' (???), na monocultura musical, assim como o futebol é a monocultura esportiva. Entretanto, a monocultura sertaneja é muito, mais muito mais nociva. Os artistas de gênero se revoltaram, xingaram Zeca Camargo e ameaçaram não comparecer a programas da TV Globo em protesto contra a opinião do apresentador. Há que diga que as duas “retratações'' de Camargo foram ordenadas pela TV Globo, temerosa do boicote sertanejo, que poderia afetar o desempenho de um novo programa de auditório com foco na cultura popular- fato ainda não confirmado. A predominância dos artistas sertanejos cada vez mais inodoros, insípidos, incolores, meros clones de si mesmos e com parca competência musical são o maior sintoma da pobreza cultural que assola esse país infeliz. E a disseminação de tal praga contaminou de forma definitiva o ambiente cultural e musical, influenciando a MPB e o que restou do pop rock nacional. A comoção desproporcional por conta da morte de um cantor sertanejo relativamente desconhecido em boa parte do país e de talento ainda por ser atestado – mas, na minha opinião, bastante questionável -, explicitou a banalização total do cenário musical nacional e do setor de e entretenimento como um todo. Zeca Camargo acertou em todos os sentidos, e tem gente torcendo para que pague por sua coragem de ter opinião e de emitir a sua opinião incômoda. A “punição'' a Zeca Camargo só aprofundará a sensação dominante de pobreza cultural que vivemos atualmente. FONTE UOL (Por Marcelo Moreira).

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