terça-feira, 3 de junho de 2014
Hino da Copa de 70, "Pra Frente, Brasil" segue imbatível em tema do Mundial
A nove dias do início da Copa do Mundo no Brasil, o país não tem uma música-tema para chamar de sua. "We Are One", faixa oficial da Fifa dividida entre Pitbull, Jennifer Lopez e Claudia Leitte, foi alvo de críticas e não empolgou. Outras composições de cantores brasileiros não chamaram a atenção. O musicólogo e criador do dicionário da MPB, Ricardo Cravo Albin, diz que a situação é motivo de "pena" e classifica como "um momento oposto" de quando "Pra Frente, Brasil" virou hino na Copa de 1970 no México.
"Infelizmente os tempos mudaram. Ter todo um contexto de música solidária, que todos podiam cantar, foi basicamente chancelado pela multiplicidade da internet. Naquela altura [Copa do Mundo de 1970], as pessoas realmente cantavam porque compravam discos, era um único suporte e único veículo que ia para a casa de todo mundo", lembra ele, nomeando a internet como uma "fatalidade" para que os brasileiros tenham um sentimento nacionalista através da música.
Para o historiador, a Fifa tem parcela de culpa por não existir uma canção que ilustre o momento da Copa de 2014. "A Fifa, como dona da Copa, impôs também um disco celebrando o mundial. É um CD avaro, pouco generoso com a música brasileira, que é considerada como a canção da atualidade. A música brasileira fica diluída entre várias canções internacionais", avaliou Albin, que acha impossível conquistarmos o feito de "noventa milhões em ação" como diz a letra de "Pra Frente, Brasil".
Em 21 de junho de 1970, o Brasil vivia um momento histórico na Copa do Mundo. A seleção brasileira de Zagallo, Rivelino, Pelé e Tostão conquistava o tricampeonato, ganhando da Itália por 4 a 1. Como principal recordação, a vitória fez com que a música "Pra Frente, Brasil" se eternizasse e virasse o maior hino de todas as Copas, com os emblemáticos versos "Todos juntos vamos/ Pra frente, Brasil/ Salve a Seleção".
Escrita por Miguel Gustavo (que morreu dois anos depois daquele Mundial), a canção surgiu em um concurso organizado pelos patrocinadores das transmissões dos jogos da Copa. De acordo com Cravo Albin, a canção era tocada nas rádios e "levada a sério como forma de incentivo para a seleção". "'Pra Frente, Brasil' nada mais é do que um jingle contagiante, extremamente bem articulado e bem feito, que virou uma música, que virou um hino e que comove aqueles que amam futebol".
O meia Roberto Rivellino, um dos responsáveis pela goleada do Brasil naquela final de Copa, contou ao UOL que só tomou conhecimento da música quando voltou ao Brasil e foi recebido pelo então presidente Emílio Médici. "Como fomos para a Copa desacreditados, ficamos focados e confinados em um castelo no México. Naquela época, não tínhamos acesso a nada como internet, TV, celular. Foi quando chegamos aqui que senti a emoção dessa música que me arrepia até hoje".
Para o ex-jogador, a música só deu certo porque foi um aliado da seleção de 1970, transformando aquele momento em histórico. "Aquela seleção encantou o mundo. A maior seleção de todos os tempos e, de repente, 'Pra Frente, Brasil' foi considerada a melhor música de todas as Copas. Tudo se encaixou muito bem". Cravo Albin lembra que, ao mesmo tempo, "havia 1% da população que estava nas masmorras perseguida pela ditadura".
Era o caso da atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Em entrevista ao colunista do UOL Juca Kfouri, ela contou que sente dor ao ouvir a música que marcou aquela Copa. "'Não consigo ouvir essa música sem lembrar que eu estava sendo torturada quando ela tocava', disse a presidenta para mim. São ambiguidades humanas, compreensível. Ela associa uma coisa à outra, mas nunca deixou de torcer pela seleção", contou o jornalista.
Para Kfouri, existiu uma injustiça com a música ao dizer que era um hino da ditadura. "Isso, de forma alguma, era a intenção de Miguel Gustavo. Ele não fez a música para saudar nenhuma situação política", diz Kfouri. Para o jornalista, diferentemente desta Copa, não existia a politização dos resultados. "Naquela época não teve isso, o Brasil ganha e é ponto para a Dilma ou o Brasil perde é ponto para a oposição".
Com protestos diários contra a Copa do Mundo no Brasil, o país vive um momento de repulsa ao futebol por conta de insatisfação política. Existe um silêncio ao se falar sobre o assunto e até a música oficial do Mundial foi abafada. Na canção "We Are One", Claudia Leitte --única brasileira do vídeo-- só aparece por cerca de 40 segundos e canta em português por 20 deles. A cantora disse ao UOL que esse tempo é suficiente. No entanto, internautas criticam a falta de "brasilidade na canção".
Já Cravo Albin classifica a música como "bem fraquinha". "Claudia Leitte aparecer pouquíssimo significa que essa Copa não é do Brasil, é da Fifa. É uma Copa da Fifa que alugou o Brasil para fazê-la, construindo determinados estádios que são hoje objetos de tanta observações, preocupações e críticas", diz.
Com preocupação, Rivellino acha que essa insatisfação e a falta de uma música que seja a cara do país se dão porque "o povo brasileiro está com pé atrás". "Todo mundo está envergonhado e temeroso. Perdemos o momento de mostrarmos a nossa cara e para que viemos. Tenho medo de que o torcedor se misture com os protestos".
Juca Kfouri vê a situação com olhos mais otimistas e acredita que o hino da Fifa pode empolgar depois do início dos jogos. "[A música] Fica tocando insistentemente nos estádios. As pessoas falam que preferem a música da Shakira ['Waka Waka'], mas, na África do Sul [Copa de 2010], a música não parava. Foi massacrante". Por outro lado, ele observa que nada se igualará a "Pra Frente, Brasil". "É tudo uma questão de inspiração. E isso será quase impossível de acontecer".
FONTE: UOL
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