segunda-feira, 2 de setembro de 2013
"Odeio esse negócio de idade", diz Milton Nascimento, aos 70 anos.
Milton Nascimento lançou, na última semana, em São Paulo – mesmo perguntando, atônito, para o divertimento de todos: "Aqui é São Paulo, né?", depois de uma hora de atraso –, o DVD comemorativo de 50 anos de carreira "Uma Travessia". Trata-se do registro da turnê que rodou 100 cidades do Brasil, Europa e América Latina, ganhando contornos de epopeias como as memórias do artista de 70 anos.
Foi esse também o tom da conversa quase duas horas de Milton com os jornalistas: aspectos pitorescos de cidades por onde passou – como Pedro Segundo, no Piauí, e seus "potós" ("escorpeõzinhos que voam", explica), de sua própria vida, como as lembranças de menino em Três Pontas (MG), de companheiros do Clube da Esquina, de letras e músicas e lugares. Aliás, muitos lugares: "Adoro viajar e trocar ideias com pessoas diferentes, quando não colaborar com músicos diferentes", diz.
É assim, gravando com artistas tão diferentes como Björk e Wayne Shorter, que Milton vem trilhando essa estrada cinquentenária. Quem se admira com o frescor de suas palavras, contando episódios de quando 'Lô (o parceiro, Borges) tinha 10 anos" e "Wagner [Tiso], 12" não imagina por quantas poucas, boas e nem tão boas assim Milton Nascimento já passou, Seu tom é contemplativo, contido, cadenciado, de paz. Só muda de tom quando contabiliza os anos de labuta: "Odeio esse negócio do idade".
Independente do conservadorismo dos arranjos, os shows têm uma atmosfera mágica. E o mais surpreendente é que naquele artista de semblante contemplativo e sofrido há humor, alegria. "Um pai de santo me disse 'Você não pode ser assim, triste. Pois tem uma missão: alegrar as pessoas e ter um terreiro', ele continuou", conta Milton. Ele achou graça, além de pouco provável. Mas, outro dia, cantando "Travessia" no Maracanãzinho, deu-se conta de qual era seu terreiro: "O palco".
"Tomara que isso não acabe"
Desde a época do Clube da Esquina – o seminal disco que completa 40 anos –, é na ribalta que Milton se sente à vontade. "Gosto também de atuar e, o que pouca gente sabe, já fiz teatro com Plínio Marcos, em São Paulo", orgulha-se. O mesmo não acontece com relação à sua participação em Fitzcarraldo, de Werner Herzog. "Eu era apenas um porteiro, mas, a certa altura, por causa da piração do Klaus Kinski, eu pensei: 'Não vou mais ficar nesse filme, não'".
O ator, segundo Bituca, testemunha ocular da história, era "uma cobra". "Nossa Senhora! Ele aprontou coisas que não posso nem contar aqui", entregou, arrancando risos da plateia de jornalistas.
Se Milton planeja parar? "Tomara que isso não acabe nunca", disse. O DVD, lançado com um CD duplo homônimo, inclui os maiores sucessos e algumas preciosidades que Milton não cantava a tempos: "Morro Velho", famosa na voz de Elis Regina, e "Canção da América".
Amigo é coisa pra se guardar
E falando em amigos como Wagner Tiso ["Ele é o xodó") e Lô Borgues, convidados especiais do projeto, patrocinado pelo programa Natura Musica, ele se derrete. Outro amigo, sul-africano, a que Milton se refere como Rick e que conheceu em Los Angeles, enquanto perambulava de hotéis para estúdios e vice-versa, foi o estopim de Canção da América – "Eu nunca imaginei que iria virar o que virou", confessa Milton, revelando que outro sucesso, "Coração de Estudante", ele compôs para outro amigo, "que morava na Itália, precisava concluir estudos e veio fazer isso na minha casa", onde se deparou com uma planta que deu nome à música.
O Clube da Esquina não existe fisicamente, "mas vem gente do mundo todo querendo conhecer o lugar", debocha. "Low profile", Milton Nascimento não se comporta como um pop star. De Tóquio a Los Angeles, passando por Londres, onde foi gravar com o Duran Duran a faixa "Breath After Breath" (coescrita por Peter Gabriel), considerada pela BBC uma das melhores do grupo.
Significados
Tudo parece casual porém especial, embebido de significado extrasensorial para o "bruxo" – como Milton foi chamado por um repórter do Huffington Post no festival de Montreaux. Sobre a nova geração, ele diz não fazer distinção entre um senhor de 90 anos e um garoto de 6 – este, que pediu para tirar foto com Milton e foi desafiado a cantar uma música dele. O menino mandou "Maria Maria", na íntegra "Fiquei extasiado!", diz.
Foi mais ou menos como ele se sentiu assistindo à peça "Nada Será Como Antes", musical sobre sua vida, criado e encenado pelos diretores Charles Möeller e Claudio Botelho. "Só parei de chorar na 15ª música", lembra. "Foi bonito demais, Nossa Senhora! Mas eles não foram para Minas... Como é que pode?", pergunta com a mesma indignação que condena mascarados nas manifestações que varreram o país em junho. Milton, que resistiu aos anos de chumbo da ditadura militar nem sempre com a mesma desenvoltura que vestiu uma camiseta do Movimento Passe Livre (escrito "R$ 0,20") num show recente. "Acho muito bacana as pessoas estarem se unindo novamente para reivindicar o que desejam".
FONTE: UOL
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