quarta-feira, 10 de junho de 2015
Leo Jaime é resgatado na caixa 'Nada mudou'
O instante inicial da carreira solo de Leo Jaime, a primeira música do lado A de seu primeiro LP, “Phodas C” (1983), foi sua versão para “Rock'n'roll music”, de Chuck Berry. Com um olhar entre o cínico e o inocente, os versos faziam referência à repressão (“Mesmo que em casa a barra suje/ E a polícia abuse”), a lógica dos modismos da indústria fonográfica (“Ano passado eu cantava tango/ No retrasado eu era o rei do mambo/ Mas o patrão agora deu um toque/ Se quer emprego tem que cantar rock”) e o deslumbre com a cultura americana (“E digo sex, drugs and rock'n'roll/ Samba, cachaça e briga é mais o que eu sou”). O jovem cantor e compositor anunciava ali elementos que o acompanhariam naquele álbum e nos anos seguintes: a base estética fincada nos primórdios do rock; a crítica política e social temperada com humor; o olhar atento e leve sobre os costumes e suas mudanças na era da redemocratização, do e do surgimento do BRock e da Aids. Agora reunida na caixa “Nada mudou” (Sony) — cinco discos lançados entre 1983 e 1989, dois deles inéditos em CD —, a produção do artista nesse período deixa claro sua vocação de cronista pop.
— Essas canções partem de um olhar sobre o cotidiano, um registro de um lugar, um povo, o zeitgeist, o espírito do tempo... Enfim, um olhar de cronista que depois desenvolvi mais na imprensa. Fiz “Rock da cachorra” (“Troque seu cachorro por uma criança pobre”) a partir de uma matéria do “Fantástico”, que falava de psicanalistas de cachorro. Sempre falava no calor dos acontecimentos. “Aids’ ("Não tente colocar band-aids") é de 1983, quando começava a se falar na doença.
As canções revelam, porém, que seu olhar sobre o atual era mais afeito ao registro das marchinhas de carnaval — sempre coladas no presente efêmero, quase sempre pelo viés da graça — do que à frieza objetiva do jornal. As referências vinham de lugares como a revista “Mad”, a malícia de Rita Lee e Lamartine Babo, filmes como “O sentido da vida” (Monty Python), “O fantasma da liberdade” (Luis Buñuel) e “Nos tempos da brilhantina” (“Havia um grito de liberdade ali, com humor, frescor, e alguma ingenuidade, que tinha tudo a ver com o que estávamos fazendo”, avalia).
Todas essas referências ferviam num ambiente próprio. No início dos 1980, Leo costumava se apresentar — com suas bandas na época, Nota Vermelha, João Penca & Seus Miquinhos Amestrados — no bar Emoções Baratas, de Claudio Manoel (do Casseta e Planeta). Leo lembra que, ali, Evandro Mesquita viu pela primeira vez Fernanda Abreu cantando (com Leo) e a chamou para a Blitz.
— Nossos ídolos eram Rita, Raul, Ben Jor, Tim Maia, Erasmo. Artistas que a intelligentsia não reverenciava, mas que a gente adorava — diz, referindo-se ao núcleo que incluía nomes como Eduardo Dussek e os Miquinhos Amestrados. — A crítica batia na gente, queria que fôssemos niilistas e darks. A gente batia no machismo, na censura, mas sem militância. Clemente (dos Inocentes e, depois, da Plebe Rude) me disse: “Na época eu tinha tantos dogmas que não percebia que uma das bandas mais punk do Brasil era o Miquinhos”. E era mesmo. “Você vai de carro pra escola/ E eu só vou a pé” é punk.
— Patroa e empregada tinham o mesmo pôster no quarto, de Cazuza, Paulo Ricardo. Éramos a geleia geral, o projeto tropicalista na prática — defende Leo. — Havia uma demanda de um jovem urbano que não se sentia representado na música que tocava. É algo que se repete hoje, quando leio que 73% dos shows realizados no Brasil em 2014 foram de sertanejo.
Observador do que está à sua volta (como compositor e em outras atividades, como o programa de TV “Amor & Sexo”), Leo identifica mais relações entre o Brasil dos 1980 e o de agora:
— Mudou muito e ao mesmo tempo “nada mudou”. Avançamos em alguns aspectos, passeatas gays, discussões sobre transgêneros. Mas há um conservadorismo vindo à tona que na verdade sempre existiu. Uma conversa de MDB e Arena que já tinha me enchido o saco nos anos 1980, porque MDB e Arena são mais parecidos do que diferentes e são igualmente desinteressantes.
Leo não tem feito canções, mas exerce seu olhar cronista em outros formatos, como o livro “Cabeça de homem” e o programa “Papo de segunda”, que estreia no GNT no dia 8. Na música, articula uma reunião dos Miquinhos e acaba de estrear o show “Elétrico”, no qual apresenta novos arranjos para músicas suas (“e outras que eu gostaria que fossem minhas”).
— Sou um promotor da alegria, do romance, da expressão do livre desejo. Isso permeia o que faço até hoje. Nunca fui o cara indicado a prêmio, mas quando saio a plateia está mais feliz do que quando cheguei. Isso já é flertar com o eterno.
FONTE: ORM NEWS
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